A PEC 45/23 visa criminalizar o usuário de drogas, incluindo o da cannabis, sem a distinção de quantidade entre o simples usuário recreativo e o traficante. Apesar do que é sugerido na emenda, isso significa um grande retrocesso na política sobre drogas.
Há anos está em curso, no âmbito do STF, o julgamento acerca da descriminalização do porte de drogas, em pequena quantidade, para consumo próprio – o chamado “uso recreativo”. Nesse ponto, é importante destacar que descriminalizar é diferente de legalizar!
Logo, não é segredo que a PEC 45 se trata de um backlash legislativo – isto é, uma reação contrária e contundente do legislativo à atuação judicial do STF no tema. No entanto, o cenário não é de uma proposta legislativa ordinária: a PEC eleva a guerra às drogas ao nível constitucional, inserindo a criminalização do usuário no rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição Federal, o que seria completamente inconstitucional, indo na contramão da dignidade humana, do direito à liberdade, à intimidade e à vida privada.
É necessário, portanto, debater os reais impactos da PEC das Drogas no sistema prisional, judiciário e de saúde. Uma discussão bem fundamentada deve reconhecer que a atual Lei de Drogas não é capaz de combater o tráfico e nem diminuir a violência – pelo contrário, há o efetivo aumento da violência contra corpos negros.
No Brasil, dados do IBGE informam que há cerca de 830 mil pessoas privadas de liberdade, e a maior parte desse número se deve à Lei de Drogas. E quem integra a maioria da população carcerária são jovens negros.
A realidade brasileira demonstra que existe uma grande diferença entre a abordagem policial entre indivíduos brancos e negros. Isto é, quando a Lei não é capaz de propor de forma objetiva qual seria a quantidade necessária para diferenciar um usuário ou traficante, por exemplo, dá esse poder às autoridades policiais e judiciais, que fazem parte de um sistema estruturalmente racista. Pesquisas apontam que até mesmo no caso de processos judiciais de pessoas detidas por drogas, a chance de condenação de um indivíduo branco é menor, até quando este portava a mesma ou uma maior quantidade que um indivíduo negro.
Além disso, a maior parcela de mulheres privadas de liberdade também se deve à Lei de Drogas: mulheres que não eram traficantes e nem faziam parte de organizações criminosas. Em um debate interseccional, podemos dizer que mulheres negras também são as maiores vítimas dessa guerra às drogas, não apenas pela prisão por portar quantidades mínimas, mas por perderem pais, filhos e maridos para o sistema penitenciário brasileiro, que não é capaz de reparar e nem cuidar.
Como se o impacto no sistema prisional e judiciário – ambos superlotados! – não fosse o suficiente, ainda há uma questão de saúde pública: haveria grande dificuldade nos avanços científicos no uso medicinal da cannabis, tanto por parte dos usuários que a utilizam para tratar ou amenizar problemas de saúde – como dores crônicas e epilepsia – quanto por parte dos pesquisadores, que teriam ainda mais empecilhos para prosseguir no estudo e pesquisa dos benefícios da planta. Importante mencionar, ainda, que os usuários que precisam de tratamento não seriam entregues ao sistema de saúde, e sim ao sistema carcerário.
Desse modo, não há defesa diante de um projeto que, além de ser inegavelmente inconstitucional, não se propõe a solucionar nenhum dos problemas apontados acima, mas revela apenas uma das faces mais cruéis do conservadorismo do Estado, que falha diariamente na garantia de direitos fundamentais da parcela mais vulnerável da sociedade. A proibição do porte e a criminalização dos usuários, em especial da cannabis, só serve a um objetivo: o encarceramento!
Diga não à PEC 45! Mais redução de danos, menos proibicionismo! Chega de encarceramento em massa!